quinta-feira, 27 de maio de 2010

DESILUSÍADAS

Quando escrevi Os Lusíadas, havia um ambiente de muito orgulho em Portugal. Era a época dos grandes descobrimentos. Nosso povo mostrara que era capaz de qualquer façanha. A gente tava com tudo. Nós éramos quase o que o Brasil pensa que é hoje. Meu famoso poema épico apenas refletiu o clima que estava no ar, tanto que enalteceu, no seu título, não só os famosos navegadores, mas também todo o povo lusitano que se apresentava como dono de meio mundo. De lá pra cá, muita água passou por debaixo da ponte, tanto mar, tanto mar. Como disse Marx, a história se repete. A primeira vez como tragédia e a segunda como piada do Zorra Total. Quase cinco séculos depois, vivemos outra época de grandes descobrimentos. Descobrimos que estamos sem dinheiro. Descobrimos que a nossa dívida impagável. Descobrimos que precisamos cortar salários de funcionários públicos e dirigentes de empresa. Descobrimos que teremos de aumentar os impostos de uma maneira geral. Ainda não entendi se isso é justo ou se só estamos pagando pelos euros dos outros.

Tomado pelo espírito cívico e pela necessidade de ter algum material cujo direito autoral ainda não tenha caido em domínio público, comecei a reescrever Os Lusíadas. Pode parecer oportunista. Contra esse tipo de acusação, me defendo dizendo que a situação é bastante inspiradora. Pense só, para sair dessa crise será necessário passar por uma verdadeira epopeia. E pra você, navegador de meu blog, lanço aqui, em primeira mão, a primeira estrofe revisada.











1


1.0
As armas e os barões assinalados,

Que da ocidental praia Lusitana,

Por mares nunca de antes navegados,

Passaram ainda além da Taprobana,

Em perigos e guerras esforçados,

Mais do que prometia a força humana,

E entre gente remota edificaram

Novo Reino, que tanto sublimaram;


Os Euros e os cartões assinalados,

Que, da ocidental praia Lusitana,

Por shoppings nunca de antes navegados,

Passaram muito além da reserva de grana,

Em juros e correções foram enforcados,

Mais do que pagaria a força humana,

E entre gente remota edificaram

Uma nova dívida, que nem imaginaram;













2


2.0
E também as memórias gloriosas

Daqueles Reis, que foram dilatando

A Fé, o Império, e as terras viciosas,

De África e de Ásia andaram devastando;

E aqueles, que por obras valerosas

Se vão da lei da morte libertando;

Cantando espalharei por toda parte,

Se a tanto me ajudar o engenho e arte.

E também as promissórias ilusórias

Daqueles Lusitanos, que foram dilatando

O Mané, o vitupério e as bolsas viciosas

Até a Á frica e Ásia andaram nos passando;

E aqueles, que por obras dispendiosas

Se vão próximos da morte pagando;

Cantando deverei até pra Marte,

Isso se tiver um financiamento à parte.













3


3.0
Cessem do sábio Grego e do Troiano

As navegações grandes que fizeram;

Cale-se de Alexandro e de Trajano

A fama das vitórias que tiveram;

Que eu canto o peito ilustre Lusitano,

A quem Neptuno e Marte obedeceram:

Cesse tudo o que a Musa antígua canta,


Cessem dos falidos Grego e Troiano

As especulações grandes que fizeram;

Cale-se de Alexandro e de Trajano

A lama das derrotas que tiveram:

Que eu canto o endividamento Lusitano,

A quem Netuno e Marte forneceram:

Cesse tudo o que a Musa antígua canta,

Que outro valor mais alto se alevanta.